sexta-feira, 18 de abril de 2014

Escritor colombiano misturava ficção a fatos reais em matérias jornalísticas

18/4/2014 11:03
Por Redação, com BBC - de Londres



Quando era jornalista, García Márquez 'inventava' notícias
Quando era jornalista, García Márquez ‘inventava’ notícias

Em 1954, o jornal colombiano El Espectador envia um de seus jovens jornalistas, Gabriel García Márquez, para cobrir um grande protesto contra o governo na remota cidade de Quibdó, no estado de Chocó. Após dois dias viajando na selva, García Márquez e seu fotógrafo chegam finalmente a seu destino e têm uma surpresa: a cidade de Quibdó está completamente calma. O correspondente local do El Espectador, Primo Guerrero, havia inventado fatos que narrou para a redação em Bogotá.
Ou seja, García Márquez percebeu que os protestos não ocorreram. Diante do panorama, o jovem jornalista diz a Guerrero que não quer voltar para a capital de mãos vazias. Os dois fazem um acordo e, “com tambores e sirenes”, convocam e organizam um protesto para escrever a reportagem e tirar as fotos.
A matéria é publicada no El Espectador com o título História íntima de uma manifestação de 400 horas e, nela, García Marquez afirma que o protesto durou 13 dias, “nove dos quais choveu de forma implacável”.
A reportagem dizia que, sob a chuva, os manifestantes choravam e se lavavam na via pública.
Anos mais tarde, ao se lembrar do episódio, em uma entrevista com o jornalista Daniel Samper, o escritor confessou: “inventávamos cada notícia…”

O realismo mágico
Uma das características dos romances de García Márquez era sua capacidade de inventar uma “realidade que transborda”, segundo escreveu o crítico Claudio Guillén. E isso está relacionado, em parte, com o uso da hipérbole, o exagero.
- O quanto é comum o exagero no jornalismo de García Márquez? – Para minha tese de doutorado, estudei a promíscua relação entre o jornalismo e a literatura na América Latina.
No caso de García Marquez, é possível detectar exageros e invenções em diferentes etapas de seu jornalismo. Em alguns momentos, esses exageros e invenções estão presentes de uma forma abundante e aberta e, em outras, de forma dosada e velada. Este é um fenômeno que se enquadra no que chamamos de realismo mágico de García Márquez.
O escritor peruano Mario Vargas Llosa, em seu livro História de um Deicídio, documenta a invenção que García Márquez fez do protesto em Quibdó e disse que era parte de sua personalidade aventureira e sua satisfação pelos feitos e pelos personagens inusitados.
Segundo Vargas Llosa, “o que seduzia” García Márquez no jornalismo não eram as páginas editoriais, mas o trabalho da reportagem “que se mobiliza para encontrar a notícia e, se não a encontra, a inventa”.

O poeta inexistente
O crítico Raymond Williams afirma que muitos dos textos jornalísticos de García Márquez são “anedotas ficcionais”.
Em 1948, o autor colombiano dedicou uma coluna de jornal ao poeta César Guerra Valdés na qual contava sobre quando ele visitou a redação do El Universal, de Cartagena, onde Márquez trabalhava.
Márquez elogiou o poeta e argumentou que ele era “autor de cinco livros fundamentais” e “um dos grandes revolucionários estéticos” da América Latina. A coluna ressaltava o calor das palavras do poeta e dizia que, apesar de passar desapercebido localmente, o escritor estaria provocando uma renovação na literatura latino-americana.
Entretanto, muitos críticos confirmaram que o poeta César Guerra Valdés nunca existiu.
Mais tarde, trabalhando no jornal El Heraldo de Barranquilla, García Márquez começa a publicar reportagens sobre a vida e os milagres de uma extravagante marquesa alemã, cujo marido havia ordenado o assassinato diversas vezes. Em uma de suas colunas, Márquez recria uma conversa fictícia com a alemã e, no diálogo, diz que todos os seus personagens são “imaginários”.

Inventar um pouquinho
Entrevistei para minha tese Jaime Abello Banfi, diretor geral da Fundação Novo Jornalismo Iberoamericano (FNPI), a escola de jornalismo com sede em Cartagena das Índias fundada por García Márquez, em 1994.
Alberto Banfi afirma que há um discurso dúbio nos círculos jornalísticos e literários, já que, por um lado, a posição oficial dos manuais e convenções jornalísticas proíbe a inclusão de dados falsos nos textos de imprensa.
Entretanto, na prática nota-se como os grandes escritores usam licenças poéticas quando escrevem textos jornalísticos.
Em seu contato com García Márquez e com escritores como Tomás Eloy Matínez e Ryzard Kapuscinski, Alberto Banfi diz que eles admitiram ter inventado ocasionalmente em suas reportagens. Eles o fazem de uma maneira dosada, de uma forma que os leitores “não se dão conta”.
Isso sim é um reconhecimento de que o terreno entre a ficção e a não ficção é um campo movediço, cuja instabilidade aumentou ainda mais com as novas tecnologias, como a internet.

Zigue-zague histórico
A relação porosa entre a ficção e a não ficção na América Latina não é um fenômeno novo. Márquez é parte de uma tradição latino-americana de escritores que ziguezagueiam entre a produção de notícias e contos, romances e poemas.
As trocas nos dois sentidos são comuns.
O crítico Aníbal González explica como na América Latina, em diferentes épocas, a literatura e o jornalismo têm adotado estratégias de dissimulação e imitação mútuas para evitar a censura perante a vigilância da lei, da religião e do Estado.
Um exemplo de jornalista e escritor, uma figura literária que Roland Barthes chama de ‘escrita-escritor’, é o primeiro romancista latino-americano José Joaquín Fernández de Lizardi.
Ele publicou em 1816, no México, El Periquillo Sarniento, considerado o primeiro romance latino-americano ao mesmo tempo em que editava o jornal O Pensador mexicano.
Desde então a lista de jornalistas escritores tem nomes como José Martí, Rubén Darío, Lima Barreto, José Marín Cañas, Roberto Arlt, Jorge Amado e Tomás Eloy Martínez, apenas para dar uns poucos exemplos.
E aqui me refiro a escritores que trabalharam em tempo integral nas redações.
Porque, se fizer uma lista de escritores latino-americanos que publicaram em jornais, teria que incluir praticamente todos.
Néfer Muñoz é um jornalista da Costa Rica com doutorado em literatura na Universidade de Harvard. O título de sua tese é “Romanceando o jornal e reportando o romance na América Latina”.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Senado aprova lei que proíbe financiamento de empresas nas campanhas eleitorais

16/4/2014 14:05

CORREIO DO BRASIL

           Por Redação - de Brasília


O Senado aprovou, nesta quarta-feira, o projeto que veda a doação de empresas ou pessoas jurídicas para campanhas eleitorais, que atualmente são os maiores doadores de políticos e partidos. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) já havia aprovado a proposta em primeiro turno há duas semanas, mas confirmou, nesta manhã, a aprovação em turno suplementar.
A comissão especial que estuda mudanças no Código Eleitoral entregará, até 30 de junho, as propostas ao presidente do Senado
A comissão especial que estuda mudanças no Código Eleitoral entregará, até 30 de junho, as propostas ao presidente do Senado
 
Como o projeto é terminativo, segue diretamente para votação na Câmara sem passar pelo plenário do Senado – a não ser que um grupo de senadores apresente, nas próximas horas, recurso para ser analisado em plenário, o que parece improvável.
A decisão do Senado ocorre em meio ao julgamento de ação, no Supremo Tribunal Federal (STF), que proíbe aos candidatos e partidos receber doações de empresas. Pela proposta, pessoas jurídicas de qualquer natureza ou finalidade ficam proibidas de doar para candidatos ou partidos. O Supremo interrompeu a análise da ação no dia 2 de abril, mas a maioria dos ministros da corte (seis no total) já votou pelo fim das doações feitas por pessoas jurídicas para campanhas eleitorais.
Com o julgamento interrompido, as regras atuais que permitem a participação de empresas no financiamento de campanhas devem ser mantidas para as eleições de outubro, uma vez que a retomada do caso no STF ou acontecerá em pleno período eleitoral ou somente após o fim das eleições – e até lá a Câmara também não deve concluir a análise da proposta aprovada no Senado.
O relator do projeto, o senador Roberto Requião (PMDB-PR), modificou o texto inicial de autoria da senadora Vanessa Graziottin (PCdoB-AM) para vedar integralmente as doações de pessoas jurídicas. Na versão original, a vedação ocorreria apenas em algumas circunstâncias, mas a maioria dos integrantes da CCJ apoiou a mudança.
O PT, favorável à mudança, superou as resistências de membros da oposição. Líder do governo no Congresso, o senador José Pimentel (PE-CE) disse que o atual modelo favorece um “descontrole” da administração dos recursos doados pelos empresários. Líder do PSDB, o senador Aloysio Nunes Ferreira (SP) argumenta que o financiamento privado das campanhas não tem a corrupção em seu “DNA”, por isso não pode ser descartado apenas com mudanças na legislação.
Regras eleitorais
A ação, que tramita no STF, foi apresentada em 2011 pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tem pressionado Judiciário e Congresso a mudar as regras eleitorais. A OAB quer que sejam vedadas as doações de empresas, que podem transferir a candidatos e partidos até 2% do seu faturamento, e discutir as alterações no percentual dos valores doados por pessoas físicas, hoje limitado a 10% dos rendimentos.
Cerca de 98% das receitas das campanhas da presidente Dilma Rousseff (PT) e do tucano José Serra em 2010, por exemplo, vieram de pessoas jurídicas. Para a OAB, as doações desse tipo dão margem a abusos econômicos e ferem o direito constitucional da igualdade. A instituição afirma, ainda, que a doação de empresas “prejudica a capacidade de sucesso eleitoral dos candidatos que não possuam patrimônio expressivo para suportar a própria campanha e tenham menos acesso aos financiadores privados”.
Além das doações de empresas e pessoas físicas, atualmente as eleições são patrocinadas também com dinheiro público, sendo o principal deles a verba rateada entre os partidos políticos (Fundo Partidário). O julgamento da ação pelo Supremo irritou congressistas e provocou uma troca de farpas entre o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e ministros da corte. O Congresso considera que o assunto é da competência Legislativa. Alves chegou a afirmar que o Supremo estava “extrapolando” as suas funções.

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